terça-feira, 24 de novembro de 2020

Guerra do Paraguai e a capoeira

 


Na Guerra do Paraguai (1864-1870), o Império Brasileiro constituiu a Companhia de Zuavos da Bahia, pelotões formados por negros dentre os quais destacou-se Cândido da Fonseca Galvão (Dom Obá II), natural de Lençóis da Bahia e descendente de reis africanos. Esses foram decisivos na guerra por seu destemor e capacidade de combate, especialmente na Batalha de Tuiuti e na Retomada de Uruguaiana (RS). Eram quase todos capoeiras. Foram elogiados pelo Conde d’Eu (Gastão de Orleans) como a “mais linda tropa do Brasil”, pelo “capricho com suas indumentárias”. Receberam a promessa de liberdade e equiparação aos demais soldados ao final da guerra.

Foram traídos. A tropa foi desmobilizada e desarmada. Grande parte deles morreu à míngua. Dom Obá ainda obteve algum reconhecimento recebendo posto “honorário” de oficial. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde era amado pelos pretos, foi recebido por Dom Pedro II, teve ação destacada como abolicionista, mas era tratado pela “boa sociedade” (branca) como personagem caricato, “amalucado” e “extravagante”, um “excêntrico contador de histórias legendárias” de “nobres africanos” e “pretos heróis de guerra”, feitos risíveis e inverossímeis aos olhos da Corte. Na República, foi cassado seu título militar. Antes disso, ao final da guerra, vários Zuavos foram presos por prática de “capoeiragem”, considerados “vagabundos”, marginalizados. Só uma vez foram homenageados com o nome de uma rua em Salvador, ao lado do Fórum, mas depois aquele nome foi substituído pelo atual, Rua Tinguí.

Não encontrei nenhuma outra homenagem oficial à Companhia de Zuavos. Mas, ao policial Miguel Nunes Vidigal, sim, ainda que às avessas. Ele dá nome ao atual bairro do Vidigal, no Rio de Janeiro. Notabilizou-se por torturar e assassinar praticantes de candomblé e capoeira. Era um exímio capoeirista, porém, a mando do Império, sua função era exterminar os representantes da “arte-mãe”. Os mestres por ele capturados, antes de serem assassinados, sofriam longas sessões de tortura chamadas Ceia dos Camarões, nas quais açoitava e despejava óleo fervente sobre suas vítimas.

Miguel Nunes Vidigal, que dá nome ao atual bairro do Vidigal, no Rio de Janeiro, notabilizou-se por torturar e assassinar praticantes de candomblé e capoeira.

Já na República, a capoeira foi criminalizada a 11 de outubro de 1890 (Decreto 847) e assim permaneceu até 1937. Em 2014, foi reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, mas ainda prossegue submersa na falta de reconhecimento de sua ancestralidade para a cultura brasileira. Neste ínterim, viveram e morreram muitos lutadores, guerreiros e criadores, como Besouro, Pastinha e Bimba. 

Os mestres prosseguidores dessa construção histórica, digna dos mais profundos estudos, têm agora melhores condições de trabalho no Exterior do que no Brasil. Mas o que tange mais fortemente a este artigo é a música. E a pergunta que não quer calar é: quando será reconhecido o valor basilar da capoeira para a construção da identidade musical brasileira? Isso apenas para citar esta parte, porque, sobre os Zuavos, que morreram pelo Brasil na Guerra do Paraguai, ou os negros, que morrem sob açoite para a construção da nação, já ultrapassa qualquer marco civilizatório possível.


Fonte:https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2019/12/por-que-a-capoeira-e-a-arte-mae-da-cultura-brasileira-e-da-identidade-nacional-ck4ea6v4n07a901rz9cl2fhmw.html

domingo, 1 de novembro de 2020

Lima Barreto

 


Há 98 anos morreu um dos grandes nomes da literatura brasileira. Seus últimos escritos registraram sua dura experiência de internamento em hospital psiquiátrico. Escrito em forma de diário, seu texto retrata com abundância de detalhes o cotidiano da instituição. A vida de Lima Barreto foi profundamente marcada pela pobreza e pelo racismo. O sofrimento daí decorrente foi tratado como transtorno mental, o que motivou seus internamentos psiquiátricos. Equívocos indefensáveis